segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Ser livre...

Para descomprimir um pouco deixo-vos com algo que marcou o meu crescimento, algo que na minha mera opinião marca a liberdade de decisão, de escolha, a demanda por algo mais, a busca do desconhecido e a independência. Algo que tem subjacente uma mensagem mais fortes que existem - "Sê livre, sê feliz". Nada mais nada menos que "Cântico Negro" de José Régio.


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
estendendo-me os braços, e seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui"!
eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem - vontade
Com que rasguei o ventre da minha mãe.


Não, não vou por aí! So vou por onde
me levam os meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos
redemoinhar aos ventos,
como farracos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
só para desflorar florestas virgens,
e desenhar os meus própios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós


E vós amais o que é fácil!
Eu amo o longe e a miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátrias, tendes tectos,
e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
mas eu, que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definicões!
Ningém, me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onde que se aleveventou.
È um atomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!"


José Régio

2 comentários:

Francisco disse...

A este belíssimo poema acrescento uma frase de Miguel Torga: "É escusado. Não posso ter outro partido senão o da Liberdade".

Um abraço...

paz

D. disse...

este poema é daqueles que sempre que se ouve se sorri e se pensa como por vezes sabe bem ouvir frases e ideias que nos puxam para o lado de fora da manada. boa escolha.