segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

"Rap is something we do, Hip Hop is a way of living"

O título provém do rapper, produtor, poeta e activista KRS-One. Este americano nascido em South Bronx (New York) é já uma lenda na história do (verdadeiro) Hip Hop, movimento com raízes nos soundystems jamaicanos e trazido para os states por volta da década de 70 pela comunidade negra, em reacção às desigualdades sociais e à violência policial sobre os ghettos mais problemáticos.
Trago para aqui o Hip Hop pois, numa curta conversa com o Manel, acerca dos clips de música no blog (muitos deles de rappers), fiquei - como fico sempre quando falo com alguém que não está por dentro da matéria - triste pelo conceito distorcido e incaracterístico que hoje a maioria das pessoas tem do Rap e do Hip Hop.
O Hip Hop é a arte da spoken word; juntar uns amigos, pegar num microfone e começar a dar aso à imaginação. Soltarmo-nos. Dizermos o que nos vai na alma, as nossas preocupações, as nossas ambições, o que está mal, o que está errado, o que aprecio, o que rejeito, ....
É evidente que isto pode ser feito de muitas formas: umas magníficas, outras medianas e outras muito fracas. Como aliás em qualquer estilo de música, e mesmo em qualquer expressão artística.
Infelizmente, porque o mercado é o mercado, e como tal tem que produzir milhões de produtos para milhões de pessoas, acontece que nem tudo o que produz pode ser bom e genuíno. Evidente. Mas como o mercado é também, na maioria dos casos, dirigido por indivíduos que colocam o dinheiro à frente da qualidade e da genialidade, tende-se a caminhar para resultados que se afastam dos propósitos iniciais. Esta tendência é especialmente forte no circuito hip hop: editoras a torto e a direito cujo objectivo é o lucro imediato, pelo que a via mais fácil para o conseguir é colocar palhaços ao seu serviços, ostentando acessórios bizarros e milionários, não dizendo nada com interesse, insultando metade do mundo e engatando meia dúzia de míudas de mini-saia. Isto é, por definição (com algumas excepções), o Hip Hop MTV. O Hip Hop das armas, da violência, das bitches e dos carros. Mas isto não é o Hip Hop em que os seus fundadores e lendas se revêm. Pelo contrário, frequentemente criticam e satirizam, puxando dos galões (porque a qualidade aqui está presente) para dar a conhecer a verdadeira face daquilo que representam.
Hip Hop é consciência social e política. É activismo. São causas por que se lutam. É descrever o que passa. E se o que se passa à sua volta é, invariavelmente, racismo e tráfico de drogas, porque não denunciar? É uma forma artística de expressão tão legítima como qualquer outra. Porém, o rap não se resume a isso, e é possível encontrar numerosos rappers detentores de uma lírica fabulosa, de poemas tocantes, de idealismos filosóficos extremamente cativantes...
Hip Hop é isto tudo e muito mais. É um estilo de uma versatilidade enorme, em permanente mutação e experimentação. Nos últimos anos, tenho tido oportunidade de ouvir verdadeiras obras-primas onde Hip Hop, Jazz, Soul e Funk se entrelaçam numa simbiose maravilhosa...

Voltando ao vulto motivador deste texto, KRS-One, deixo-vos um clip onde ele define e explica o que é, de facto, o Hip Hop: cultura e movimento. A letra têm-na aqui.



WORD UP!

3 comentários:

Francisco disse...

Esqueci-me de mencionar: no clip aparecem muitos outros grandes nomes da história do Hip Hop. Run DMC, NWA, Jay Dilla, Tupac Shakur, Biggie Smalls, Public Enemy,...

Um abraço

Nelson Rocha disse...

Concordo plenamente, e embora os meus conhecimentos não sejam nem de longe tão vastos como os teus na matéria... De facto ao longo dos anos começei a apreciar cada vez a "arte da crítica social" e foi com clara tristeza que assisto ao deturpar de grupos e indivíduos que largaram a sua retórica e foram domesticados pelas grandes produtoras capitalistas...
Fica na minha opinião um exemplo actual (e que todos conhecem, mas nem todos concordam) quem se lembra dos "Da Weasel" de alguns anos? Interventivos críticos, liricistas... "brinca na areia com as palavras", intervenções construtivas... Hoje em dia, "Ola ninas"... enfim... perderam-se, massificaram-se...


Continuando em nomes nacionais (conheço um pouco melhor), foi com orgulho que vi na capa do JN no 25 de Abril de 2007, Valete, "um dos puros"... Um liricista, um génio da eloquência... Um poeta "duro e vernáculo" mas que nos transmite ideias, críticas... e fundamentos...

Fica o meu desejo que ele e outros como ele mantenham a pureza das suas ideias e discuros...



Abraço

Zenhas Mesquita disse...

quanto a isto, faço das minhas palavras as do Chuck D " Bring The Noise, is the moment they Fear "