quinta-feira, 5 de junho de 2008

A cavalgada dos Rohirrim


"Silenciosamente, o exército de Rohan penetrou no campo de Gondor, numa enxurrada lenta mas firme, como a maré enchente a passar pelas brechas de um dique que os homens tinham julgado seguro. Mas a mente e a vontade do Capitão Negro estavam totalmente concentradas na cidade que caía, e nada o advertira, por enquanto, da existência de qualquer obstáculo aos seus desígnios.
Passado um bocado, o Rei conduziu os seus homens um pouco para leste, a fim de ficarem entre os incêndios do cerco e os campos exteriores. Continuaram sem receber qualquer desafio e Théoden continuou a não dar qualquer sinal. Por fim parou de novo. A cidade já estava mais perto. Andavam no ar um cheiro a queimado e a própria sombra da morte. Os cavalos estavam inquietos. Mas o Rei, montado em Crina de Neve, estava imóvel, a observar a agonia de Minas Tirith como que invadido por súbita angústia. Ou medo. Deu a impressão de mirrar, vencido pela idade. (...)

Mas, de súbito, (...); uma mudança. O vento batia-lhe na cara! Brilhava uma luz fraca. Muito, muito longe, no sul, distinguiam-se vagamente as nuvens, remotas formas cinzentas que se acastelavam e vogavam no céu: a manha brilhava para lá delas.
Mas, no mesmo instante, explodiu um clarão, como se tivesse irrompido um relâmpago da terra, atrás da cidade. Durante um longo segundo brilhou ofuscantemente, muito ao longe, a preto e branco, como um pináculo a lembrar uma agulha cintilante. Depois, quando a escuridão se cerrou de novo, pareceu rolar pelos campos um grande trovão.
Ao ouvir tal som, o vulto curvado do Rei tornou-se subitamente erecto. Pareceu outra vez alto e imponente, e, erguendo-se nos estribos, gritou com voz forte, com uma voz tão clara como nenhum dos presentes se lembrava de ter jamais ouvido a um homem mortal:

Erguei-vos, Cavaleiros de Théoden, erguei-vos!
Feitos cruéis vos esperam: fogo e carnificina!

A lança tremerá, o escudo fender-se-à

Um dia de espada, um dia vermelho antes de nascer o sol!

Galopai agora, galopai! Galopai para Gondor!

Ditas tais palavras, tirou uma grande trompa da mão de Guthláf, o seu porta-bandeira, e soprou-a com tanta força que ela se abriu de alto a baixo. Acto contínuo, todas as trompas da hoste foram levadas aos lábios: o toque das trompas de Rohan, naquela hora, foi como uma tempestade na planície e uma trovoada nas montanhas.

Galopai agora, galopai! Galopai para Gondor!

De súbito, o Rei gritou a Crina de Neve, e o cavalo partiu em disparada. (...). Mas o Rei era o mais veloz. (...); a frente da primeira éored fazia um barulho que lembrava uma vaga a rebentar, espumosa, na prata. Mas não era possível ultrapassar Théoden. Parecia enfeitiçado, ou então a fúria de combate dos seus antepassados corria-lhe como fogo nas veias, e transportava-o como a um deus antigo, como o próprio Orome, O Grande, na batalha de Valar, quando o mundo era criança. O seu escudo dourado estava descoberto, brilhava como uma imagem do sol e a erva parecia fogo à volta das patas brancas do seu corcel. A manhã chegava, a manhã e um vento do mar; as trevas dissipavam-se e as hostes de Mordor gemiar, o terror apoderava-se delas, fugiam e morriam, e os cascos da ira espezinhavam-nas. Então todo o exército de Rohan rompeu a cantar: os cavaleiros cantavam enquanto matavam, pois a alegria do combate dominava-os - e o som dos seus cantos, que eram belos e terríveis, ouviram-se na própria cidade."


Tolkien, J.R.R.; Senhor dos Anéis, O regresso do Rei