sexta-feira, 30 de maio de 2008

STRESS

Os Justice são uma dupla francesa que se move na cená electrónica musical com originalidade, inovação e bom groove.
O que vos trago aqui hoje é o mais recente clip: Stress. Aviso de antemão que, pelo menos para mim, é um clip com um efeito perturbador gigante. É um realismo puro e duro que mexe connosco.
Todavia, não trouxe o clip aqui por puro espectáculo. A verdade é que este clip tem sido muito discutido em França pela sua eventual mensagem encriptada. Há quem diga que se trata uma denúncia da forma como os media tratam os problemas sociais; há quem diga que é um exposição gratuita de violência; por aí fora...
O clip é para mim um mistério. E por vários pormenores:
a) o facto de os jovens utilizarem os casacos com o logotipo dos Justice nas costas significa o quê? A solidariedade dos Justice para com os jovens mais problemáticos?
b) Quando passam pelos blocos de habitação, um dos moradores insulta-os, como que saturado e altamente crítico dos actos praticados pelos jovens, o que supõe um prévio conhecimento deles. Será isso?
c) Se observarem com atenção, logo no início, no segundo 40, aparece por instantes um helicópetro no ar, em frente aos prédios. Uma mera falha técnica?
d) quando os jovens estão no autocarro, a camera foca-se demoradamente nos olhares, como que sugerindo uma certa introspecção individual e eventual acalmia colectiva;
e) quando os jovens estão no carro e começa a tocar na radio uma música dos próprios Justice (D.A.N.C.E.) eles partem imediatamente o rádio. Surge como que um sentimento anti-Justice. Porquê? O que simboliza?
f) quando os jovens incendeiam o carro, um deles vê o seu braço começar a arder de uma forma preocupante. Todavia, nas imagens seguintes, esse jovem não mais aparece. Porquê?
g) Os jovens NUNCA falam;
h) a dupla criadora do clip chama-se "Justice" mas ou muito me engano ou este é o seu primeiro apontamento deste género, com esta conotação social.
De resto, o clip na sua globalidade é para mim um enigma.

O meu post vai pois no sentido de depois de visualizarem o clip atentamente, tentarem interpretá-lo e perceber que mensagem há por decifrar. Ou que não há. Eu no entanto considero os Justice demasiado inteligentes para fazerem um simples manifesto de exposição de violência urbana.

Justice - Stress

4 comentários:

D. disse...

quando eles estão nos subúrbios, têm uma percepção de que não existe justiça social. saem de lá com a ideia de que podem fazer a justiça social. o problema é que aprenderam que a única forma de o fazer é a insubmissão não contra os órgãos de soberania, mas contra aqueles que representam tudo o que eles não têm. neste caso as pessoas que se passeiam pelas ruas do centro de paris e que vivem longe da realidade de exclusão dos subúrbios.
ao exprimirem-se de forma violenta, acabam por corromper a própria concepção de justiça social
porque acabam eles próprios por tornar submissos quem eles achavam que os reprimam, neste caso sobre a forma de violência e de medo
por isso o partir do rádio ao ouvir a tal música dos justice. é uma forma de metáfora para o facto de eles terem acabado por corromper a própria noção de justiça.
a parte do rapaz com o braço a arder. o fogo representa o facto talvez de ele se ter queimado nos seus próprios ideais. acho que vai de encontro a tudo o resto. quando acabas por fazer aos outros aquilo que eles te faziam e te provocaram revolta, acabas por ser igual a eles e portanto não és mais aquela pessoa.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

eu nessas coisas sou sempre pragmático, tento ver as coisas sem essa aura de idealismos e cenas afins.
e passo a explicar:

eles simplesmente partem tudo porque podem. eles estão-se a cagar pós órgãos de soberania, nem sabem o que é isso. só sabem que podem partir tudo, que ninguém vai fazer nada. eles não têm um background de aprendizagem social, eles nunca foram ensinados a conviver com a sociedade, além do seu restrito grupo. eles não são suburbanos, eles são completos renegados pela sociedade.
eles não têm ideologia nenhuma. eles cresceram em famílias que, no geral, são alimentadas a expensas estaduais, são habituados a ter hábitos familiares desregulados, a decadência moral reina, na ausência de factores de socialização regulares, ou seja, da capacidade de uma comunidade se desenvolver como um todo, o lugar é ocupado pela negligência, pelo abandono, pelo vandalismo.

eu não conheço os Justice, mas fazerem um hino à violência urbana desta forma é o melhor que se pode fazer, demonstra bem as dificuldades que nós temos em compreender "os outros". perguntamo-nos o que os move, se alguma ideologia anarquista, por destruirem tudo sem atender a critérios, se conservadores, por expressarem elevados niveis de homofobia e em certos casos de racismo, ou até mesmo de extrema esquerda e extrema direita.
eu acho que devemos olhar isto fora de um prisma de estudante de direito. não há nenhuma ideologia política, nenhuma neurose colectiva, até porque a extrema esquerda é coisa de meninos muito ricos e a extrema direita é coisa de meninos muito burros, e estes miúdos nem ricos nem burros são. aliás, são inteligentíssimos, são a prova de que o ser humano desenvolve as suas capacidades de raciocínio melhor em situações de grande adversidade.
eles são tão inteligentes que descobriram a pólvora do século: numa sociedade despida de sentido de comunidade, onde o cidadão aprendeu a não confiar no outro, para simplesmente se entregar à Instituição, estes miúdos fodem tudo porque, matematicamente, podem. basta meter medo.

Francisco disse...

Manel, é um facto que já te conhecemos esse reaccionarismo algo primário. Mas antes costumavas disfarçá-lo melhor...
Ah, mais um ponto para os liberais!: "eles cresceram em famílias que, no geral, são alimentadas a expensas estaduais". Já cá faltava!
Que paródia.

Um abraço

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

uma das críticas dos sociólogos e dos principais estudiosos de sagurança social é a má aplicação de subsídios e rendimentos do estado. de facto, durante muito tempo pensámos que a única forma de acabar com as famílias disfuncionais era proporcionar-lhes um rendimento, um apoio social.
hoje isso prova-se errado, e tenta-se fazer uma diferente abordagem deste problema ao pôr em contacto directo os representantes do estado social, a assistência social, com as famílias desfavorecidas.
a participação do estado, até agora, tem sido apenas numa política de remedeio, a curto prazo, que a longo terá efeitos negativos. não temos uma política preventiva de apoio.